Achei fantástico e em vários momentos me emocionei e por isso pedi a autorização para reproduzi-lo aqui e me foi autorizado. O pseudônimo do autor será mantido pelo pedido dele.
Espero que gostem.
Pedro.
O Menino de Onze Anos
Eu me lembro do meu primeiro jogo no estádio. Era um domingo à tarde, no dia cinco de outubro de 1986. O São Paulo iria jogar contra o Sport de Recife. Eu tinha feito onze anos há menos de um mês, e nunca havia colocado os pés no estádio do meu time. E eu já era são-paulino, por causa do meu avô, são-paulino fanático, que havia até mesmo doado dinheiro para a construção do Morumbi, nos anos 50.
Eu já acompanhava os cadernos de esportes e já havia me recuperado da Copa de 1982, tanto que eu vibrei muito com o título paulista de 1985. Curioso que eu me lembro mais da Copa de 1982 que deste título paulista, mesmo tendo sido três anos depois. Lembro apenas que foi contra a Portuguesa, e estávamos indo visitar um tio-avô, e eu fui ouvindo o jogo no carro.
De volta a outubro de 1986. Pedi para meu pai – palmeirense – me levar ao jogo, e ele atendeu. Deste jogo também lembro pouco, apenas que o Sport saiu na frente (meu pai me conta hoje que ficou com medo do time perder na primeira vez no estádio), mas o São Paulo virou. 3 x 2. E o primeiro gol que comemorei num estádio foi marcado pelo Careca, de pênalti. E lembro exatamente o que senti na hora deste gol, mas não consigo colocar em palavras.
Mas algo daquela tarde nunca mais saiu da minha cabeça. Quando entramos no estádio (na numerada inferior, pois meu pai jamais me levou na arquibancada quando eu era criança) e eu olhei aquele campo enorme, na minha frente, antes do jogo começar, ele simplesmente abaixou do meu lado e disse:
– Esta aqui é a sua casa.
Nunca me esqueci disso. Toda vez que entro no Morumbi, ouço meu pai falando isso ao meu lado. Os meses se passaram e eu fui ficando cada vez mais apaixonado. Não saia de casa pela manhã sem ler o caderno de esportes e tentava imitar os meus ídolos nas peladas na rua.
Alguns meses depois, meu time ganhou o campeonato brasileiro, batendo, nos pênaltis, o Guarani, numa decisão que marcou não apenas toda uma geração de são-paulinos, mas o futebol brasileiro como um todo. Lembro que aquela noite eu senti muito orgulho de torcer para o meu time. Me senti como se tivesse recebido a confirmação de que a primeira escolha que eu fiz na vida tinha sido acertada.
Aquela noite foi muito especial para mim. Não apenas pelo título em si, mas pela forma que ele foi conquistado. E, como todo são-paulino, até hoje, em algumas noites, antes de dormir, eu fecho os olhos e vejo o gol daquele mesmo Careca, no final da prorrogação, acontecendo novamente na minha frente. E volto a ter onze anos de idade.
O tempo foi passando. Meu amor pelo meu time foi crescendo. E, com o passar dos anos, vieram outros títulos. Mas também vieram derrotas. Muito do que eu sei sobre ganhar e a perder na vida aprendi nos anos 80, com o radinho de pilha da minha mãe colado na orelha. E com o José Silvério. Mais da metade do que eu sei sobre futebol passa pelo meu pai e pela voz do José Silvério. Eram noites de quarta-feira que eu ficava até tarde vendo (escondido da minha mãe) os jogos na TV sem som, com o radinho colado na orelha, e tardes de domingo que eu ficava no quarto, com o mesmo radinho na mesma orelha, sofrendo a cada minuto. Se amar é sofrer, a voz do José Silvério eleva isso à máxima potência – para meu desespero, todo lance adversário era narrado pelo José Silvério como se estivesse acontecendo na pequena área do São Paulo.
Mas, na voz do José Silvério, meu time me ensinou a ganhar e a perder. Me ensinou que às vezes a derrota é amarga demais, é doída demais, mas sempre haverá outro campeonato no ano seguinte. E que, por mais que doa, vai passar, mesmo que você tenha que enfrentar todos os seus amigos no dia seguinte, na escola ou no trabalho – o que pode ser um tormento para um garoto de onze anos.
Mas, mais importante ainda, me ensinou que, as vitórias são momentos que você vai guardar para sempre e que você não precisa humilhar o adversário para elas serem inesquecíveis. Eu guardo todas as minhas vitórias e todas as conquistas do meu time muito bem guardadas. E se você é torcedor de algum time de futebol, qualquer que seja ele, você sabe do que estou falando.
Entramos na década de 90, com Telê Santana no banco. A única coisa que eu lembrava do Telê – porque, quando eu era criança, eu não acompanhava futebol pelos jornais, eu acompanha o São Paulo – dizia respeito àquela maldita Copa do Mundo, que meu pai até hoje diz que perdemos porque o tal do Telê tinha mandado o Serginho se comportar em campo. Ou seja, as referências não eram muito boas.
A história todo mundo conhece. Fomos campeões brasileiros, ganhamos uma Libertadores – nos tempos que a Libertadores ainda era um torneio sem regras ou leis -e fomos para o Mundial. Com quinze anos, eu apenas imaginava o tamanho daquele título (um título mundial é sempre algo digno de respeito), mas somente anos depois eu entenderia realmente a importância daquele jogo para o time. E, quando Raí virou o jogo para cima do Barcelona, e o juiz apitou o final da partida, lembro de sair com meus amigos na rua, comemorando madrugada adentro. E soube que eu havia ganhado um novo amigo: Telê Santana. E nem imaginava que este mesmo Telê Santana estaria ali um ano depois, quando eu desmaiei na sala com o gol do Müller sobre o Milan, e acordei somente depois do final do jogo, acudido pelo meu pai e por meus amigos.
Mas eu soube, naquele momento, logo depois do jogo contra o Barcelona, que meu avô estava sorrindo para mim, de algum lugar.
Daquele jogo contra o Sport de Recife, fui muito ao estádio. Talvez menos do que gostaria e mais do que deveria. Vi finais de libertadores, finais de campeonatos paulistas e brasileiros. Mas até hoje, toda vez que eu olho o exterior do Morumbi antes de entrar no estádio, minha barriga ainda esfria, e ainda ouço meu pai cochichando que ali é a minha casa. Já tomei chuva, já escapei de briga, já comemorei gols, já comemorei títulos... E lá continua sendo a minha casa. E se você é torcedor de futebol, independente do seu time, sabe que a chuva que você tomou naquela decisão era muito mais gelada e incômoda que a mesma chuva que caiu sobre a torcida adversária.
Mas, o mais importante, é que depois daquele jogo contra o Sport, meu amor pelo meu time apenas aumentou. Jamais fiz apostas para colocar a camisa de outro time caso o São Paulo perdesse, porque eu jamais vou colocar a camisa de outro time. É traição. Da mesma forma que eu não tenho times no Rio, em Minas, ou na Europa. No campeonato carioca eu sou São Paulo, no italiano e espanhol também. Aliás, eu nunca fiz aposta nenhuma em relação a meu time – seria o mesmo que fazer uma aposta sobre seu filho entrar ou não no vestibular.
Por outro lado, eu não sou fanático a ponto de dizer que meu time jogou bem quando não jogou. Isso eu herdei do meu pai: para amar o seu time, é preciso amar o esporte. Não sou fanático, mas amo meu time. E é amor puro, de chorar em derrotas. E, principalmente, de chorar em vitórias.
Exatamente como eu chorei hoje, sozinho na sala, durante cinco minutos, quando o jogo acabou. Chorei. E não vou entrar em méritos de dificuldade de decisão, de superação do elenco, porque este não é um texto sobre futebol. Chorei porque a cada título que o São Paulo conquista, toda essa história que eu contei acima passa pela minha cabeça. Todas as vezes que eu chorei, todos os gols que eu vi, todas as dores que enfrentei por causa deste time, voltam à tona, como num filme.
E o curioso é que – e percebi isso agora, escrevendo aqui – é que todos os títulos do São Paulo que eu vejo me atingem como se fosse o primeiro. Eu posso discutir a tática do jogo ou o desempenho de um jogador com frieza jornalística – ou quase isso – mas, quando o São Paulo é campeão, eu me dou o direito de passar o resto do dia com onze anos de idade, sentindo exatamente a mesma coisa que eu senti quando o Careca fez aquele gol de pênalti.
Pai, obrigado por aquela tarde de cinco de outubro de 1986. Vô, esteja onde você estiver... É nosso!
Este texto é dedicado a vocês dois.
Rob Gordon.
2 comentários:
Muito bom referenciar um blog tão bom assim!
Só uma correção:
Não é ChampionChip Vinyl e sim ChampionShip Vinyl com 'S'!
=]
Pedro, valeu pelos elogios!
Saudações tricolores!
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